Jeans confortável, blusa bonita e muita paciência. Preparada para enfrentar a espera da consulta médica não agendada, rumei para o Centro da cidade. A idéia de que iria esperar muito, ainda bem, não se concretizou. Em menos de uma hora, estava na calçada da rua Sete de Setembro, com direito a uma visita rapidinha à Casa Lourdes, para escolher um novo baton vermelho.Caminha daqui, olha de lá, surge a Casa Cavé. Meu Deus, ela ainda existe... Chique, charmosa, simples e linda em seus vitrais e azulejos antigos na medida certa, me chamava... Eu fui.
Cabelo preso, maquiagem nenhuma,escolhi a mesa discreta bem no cantinho, de onde vislumbrava todo o ambiente. Ao entrar, o olhar do rapaz. Pele clarinha, alto e magro, um lindo tipo europeu com cabelo escuro e olhinhos claros pequenos.Concentrado que estava em seus interesses, ainda assim me olhou rapidamente. De início, nada me ocorreu... Até olhar para o espelho ao meu lado, e... Ao contrário do que esperava ver -uma mulher cansada, abatida e até despenteada -me vi com um coque bem arrumadinho,a franja teimosa despencando de leve sobre o rosto... Fisionomia tranquila, mas sem artifícios. Ainda assim, o rapaz olhara?
Nova conferida rápida no espelho: É, baton, você, aonde está? Lindo, o vermelho escuro tingiu meus lábios, caprichando no feitio de coração...
Dentro da centenária (ou quase) Casa Cavé, lugar onde pessoas das mais diferentes idades vão em busca de um lanche simpático para a tarde, o garçon já colocava sobre a mesa minha escolha no cardápio: pães diversos, manteiga (nem devo!),geléia de damasco e café preto delicioso. O nome? Delícia de café.
Quentinho, um presente na tarde meio fria, demais para o clima do Rio de Janeiro, iam sumindo aos poucos os pães, saboreados...Nova olhada no espelho. Meu Deus, o que será que estou fazendo com o cabelo preso num coque sem graça?
Distraido, o rapaz falava ao celular. Terminando, retomou sua leitura...
Soltei o coque, ajeitei o cabelo Chanel assimétrico, assim mesmo sem pente... Surpreendi-me ao perceber que caiu arrumadinho ao longo do rosto. Mais pães deliciosos, geléia, café quentinho, hummmm. Senhoras chegam, ocupam a mesa próxima e me perguntam qual seria o lanche que estou comendo, dentre a opções do cardápio. Simpática, uma delas decreta que "já somos íntimas". Sim, é certo que existe uma certa intimidade entre os que frequentam lugar tão aconchegante, uma jóia do patrimônio cultural da cidade... Continuo saboreando aqueles pães todos, e... Bem, de repente, o rapaz levanta os olhos.Cabelo solto, baton vermelho, ele não esconde o olhar surpreso, como a pensar se era a mesma mulher. Abaixa os olhos, tímido, lê um pouco, levanta de novo o olhar e segue cada movimento meu.
A casa recebe mais clientes, chegam agora os jovens adolescentes com mochilas enormes. Finalmente, tomo coragem e peço ao garçon uma foto. O momento já se tornou instigante, merece registro.
Hora de encerrar o lanche. Peço a conta, o rapaz faz o mesmo. Já não disfarça o interesse. É refinado, tem bom gosto suficiente para lanchar na Cavé, mas... Ele agora olha mesmo. No relógio antigo de parede, percebo que ainda tenho tempo para ir à rua Gonçalves Dias ver as modas (amo!), levanto rapidamente.A essa altura, ele acompanha todos os meus movimentos e lança um olhar firme, direto, de contato ou despedida... É, se eu parasse...
Mas eu não quis.Há momentos que são nossos, preservados. Melhor não permitir nem que as palavras entrem neles. O silêncio, a surpresa com a transformação da mulher diante da mesa... O olhar dele de admiração... Palavra nenhuma será melhor. Saí à rua e segui meu caminho, levando a cena impressa, marcante, marcada na emoção.
