Começou há algum tempo. Lindo, bem trajado, sorridente, dançando maravilhosamente, ele era puro encanto, agora com noite livre. Um telefonema, preço alto, mas compensava. Sônia o contratou no ato. Começou uma fase de sonho, de pensar em romance, de presenteá-lo com sorrisos, de pensar no passado. Bela, elegante, provocante, ela havia sido uma jovem mulher de muitos predicados. Da relação hoje findada, ficaram frustração e altas cifras na conta bancária. Suficientes para comprar um sonho de romance nas pistas.
Noites de prazer, música ao vivo, meia luz... Ele, solícito, cortês, a conduzia em boleros e sambinhas. E ela, a cada dia que passava, transformava prazer em paixão. Mudava o guarda roupa, deixava entrever os braços de idosa, imaginando que não importava. Não entendia o script, nem imaginava... Era tudo representação.
Até que veio o temporal. Enciumada, a dama a provocou. No conflito, tudo ficou claro: se ela tinha ciúmes, era porque também contracenava com ele em outro palco. E era jovem, dominava a pista, encantava com seu charme de cigana. Sônia lembrou que ele não tirava os olhos da outra nos bailes, lembrou dos abraços com os quais ele se insinuava com a rival. Pediu ajuda, tentou ofender, rebaixar. A outra, certa de estar dominando a situação, apenas sorriu e se afastou dele. Deixou-o sem sua melhor parceira, sem graça, sem motivação para estar ali, naquele baile. E então, Sônia percebeu, entendeu com clareza: todos os passos que ele elaborava na pista, todo esmero em vestir-se e perfumar-se, tudo isso não se destinava a ela. No palco, fazia parte da representação dele. Na platéia, o aplauso que ele desejava: a outra, mais jovem, bonita, a parceira dele nas pistas, aquela com quem ele arrancava aplausos nos clubes. A que ele não dominava, não seduzia. A dama de personalidade forte, que dava trabalho para conduzir, na pista e fora dela. A que ele admira e gosta. Ela era o alvo do show, que agora é findo... E a alegria que hoje não existe mais, ele não consegue representar. No seu rosto triste, o sorriso ensaiado não engana ninguém. Ele murchou, perdeu o viço, pois sua dama se foi. Trocou a foto na internet, por uma que ela tirou dele há meses atrás. Naquela noite da foto, comemorava o aniversário dela. Como sempre, com um show na pista. A foto reflete o olhar e o sorriso, o carinho que havia entre os dois.
Sônia abandonou o charme. Apareceu para dançar vestida com roupas básicas em preto e branco, como quem vai a um funeral... Acabaram-se os abraços, a intimidade forçada, acabou-se o rosto colado no do rapaz de 20 anos. Sem o sonho romântico, findado o delírio, resta levar ao consultório do terapeuta a decepção a ser mastigada, deglutida, digerida um dia, quem sabe...
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